Há grande espaço para inovação na forma como pagamos o transporte público. Conheça a bilhetagem digital
A segunda metade do século passado foi marcada por inovações tecnológicas que colocaram o mundo em outro patamar de conexão.
Foi o início da internet de massa, dos computadores pessoais e a chegada das redes de telecomunicação sem fio, entre tantos outros dispositivos e tecnologias.
No transporte público também houve inovação e a bilhetagem eletrônica é um dos pontos mais importantes para o entendimento da aplicação de novas tecnologias.
Com a bilhetagem eletrônica sistemas de transporte do mundo todo puderam:
- adiantar recursos com a compra prévia de créditos por parte dos consumidores;
- reduzir custos com o manuseio de dinheiro e a emissão de bilhetes unitários e
- oferecer integrações tarifárias impossíveis anteriormente.
Sendo o país da América Latina mais adiantado no assunto, o Brasil viu primeiro estrear bilhetagens eletrônicas no final dos anos 1990. O Bilhete Único de São Paulo, o maior sistema do país, nasceu em 2004.
Embora haja pioneirismo, menos de duas décadas depois a bilhetagem eletrônica carece de reflexões, inovação e um planejamento centrado no novo consumidor.
Neste texto você verá:
- O que é bilhetagem eletrônica;
- O relacionamento com consumidores na era digital;
- O que está mudando no transporte público;
- A Bilhetagem Digital como alternativa à eletrônica.
O conceito de bilhetagem eletrônica
Todo esse sistema eletrônico são os equipamentos e softwares da bilhetagem, ou seja, o processo de emissão, venda e compra de créditos/passes para acesso ao transporte público.
Ao falar de bilhetagem eletrônica busca-se compreender os cartões e os validadores, aquelas máquinas onde encostamos nosso cartão e tudo o que compõe essa tecnologia.
No Brasil poucas empresas prestam esses serviços, sendo 6 grandes no mercado. Com escassez de opções, desde o início da bilhetagem eletrônica no país organizações do ramo apontam práticas que atrasam a renovação e a evolução tecnológica da bilhetagem brasileira e, consequentemente, do transporte público como um todo.
Ainda em 2003, em relatório, a Associação Nacional dos Transportes Públicos (ANTP) afirmava sobre os sistemas de bilhetagem eletrônica que:
“[…] os cartões e bilhetes somente podem ser comprados dos fornecedores, onerando bastante as compras. Outra grande restrição para os sistemas é a exigência de se pré-formatar/inicializar os cartões inteligentes somente pelo fornecedor de tecnologia, prejudicando muitas vezes a logística de distribuição – compra, armazenamento e venda”.
Isso não mudou e ainda hoje o relacionamento entre fornecedores de tecnologia e empresas de transporte é conturbado.
A dependência do transporte público em relação as poucas empresas de tecnologia atrasou o desenvolvimento de relacionamento com o consumidor e inovação que poderiam atualizar e ajustar sistemas de transporte tão carentes de mudanças.
Mentalidade ágil no transporte de SP: o Laboratório de Mobilidade Urbana
O Laboratório de Inovação em Mobilidade da Prefeitura de São Paulo (MobiLab) tem o objetivo de aproximar o poder público do setor de tecnologia por meio da cooperação. Criado em 2013 já foi casa de startups que contribuíram com a análise de dados gerando novos serviços a partir dos desafios encontrados na mobilidade urbana.
O projeto utiliza os dados fornecidos pelas duas agências da Secretaria Municipal de Mobilidade e Transportes, a Companhia de Engenharia de Tráfego S/A (CET) e a SPTrans.
O relacionamento na era digital, o caso da indústria musical
Os consumidores finais nunca tiveram tantas opções para se locomover pela cidade e trocar vez ou outra, quando não totalmente, as viagens de transporte público por carros, bicicletas e agora até patinetes. Na era digital o poder foi transferido de quem oferta para quem compra.
Pensando nisso, por igual é pouco razoável que o setor de tecnologia para o transporte público não fique mais competitivo.
Ele tem em mãos instrumentos fundamentais para a transformação da mobilidade urbana para melhor, com o objetivo final de movimentar toda a cadeia positivamente e entregar melhores serviços ao consumidor final.
Uma indústria de apoio para exemplificar esse novo contexto é a da música.
Altamente impactada pela tecnologia no início do século e os downloads ilegais, que prejudicam enormemente as vendas, já na década de 2010 algo mudou.
Com a era streaming, liderada pelo Spotify, a relação de artistas, gravadora e distribuidores nunca mais foi a mesma. Com o advento de um novo player no mercado, que em pouco tempo passou a liderar o faturamento da indústria musical, gravadoras passaram a ter seu papel questionado.
Não são poucos os casos de lançamento por artistas de selos próprios, já que na era do streaming o contato com rádios (principal ativo das gravadoras) passou a ter menos importância do que estratégias de mídia digital para a ‘viralização’ de músicas em plataformas online.
É o caso de Jay-Z e sua Rock Nation, gravadora por trás de nomes como Rihanna, Lana Del Rey, Shakira e Cláudia Leitte. Jay-Z junto a outros artistas também é dono do primeiro serviço de streaming controlado por artistas, o Tidal, que surgiu em 2014 com a promessa de repassar valores maiores aos cantores com trabalhos na plataforma do que Spotify, Deezer, Google Música e similares.
Tudo isso põe em risco a dominância que as gravadoras têm sobre artistas desde o início da era da música de massa. Por outro lado, beneficia artistas e consumidores que podem aproveitar música de qualidade por preços acessíveis e contribuindo com seus artistas favoritos. Toda uma geração acostumada a não pagar por música hoje paga.
Como a relação no transporte público está mudando
Como visto, é difícil imaginar que um mercado fique preso a práticas antigas dado o contexto digital. E é exatamente isso que o setor de transportes urbanos precisa fomentar: a inovação disruptiva.
A relação hoje com a tecnologia, por meio das fornecedoras de hardware (os validadores) e software segue um modelo antigo, como a das gravadoras, enquanto o transporte público precisa mudar e chegar a era digital.
Segundo a Associação Nacional das Empresas de Transporte Urbanos (NTU) há em curso projetos que colocam novos participantes no ramo para a criação de redes de relacionamento e criação de produtos que agreguem e transformem a bilhetagem.
É o caso das credenciadoras de cartão, como Visa e Mastercard, que passam a estar no transporte público a partir da tecnologia NFC. Esse método está quase inteiramente aplicado em Jundiaí (SP) e parcialmente no Rio de Janeiro, Curitiba e Brasília.

Startups, empresas pequenas e ágeis na solução de problemas, têm apresentado algumas das melhores opções. Em Minas Gerais a Ecobonuz oferece descontos, promoções e interatividade com clientes. Com esses métodos consegue aumentar o engajamento na aquisição de cartões e o uso do transporte público.
Segundo Marcus Vinicius Vasconcelos, Coordenador de Marketing da empresa “Diminuímos a redução de usuários em todas as cidades, com destaque para Itaúna, que há 10 anos perdia clientes do transporte e hoje não perde mais”.
Em São Paulo a startup OnBoard Mobility desenvolve o sistema de Bilhetagem Digital, um hardware e software baseados em código aberto com uma carteira virtual chamada Bilhete Digital que digitaliza o cartão de transporte tradicional permitindo embarque por meio de QR Code.
O objetivo é que a solução entregue diversas opções de serviços para usuários e empresas, além de ser multicanal. A OnBoard também é criadora de chatbots para recarga de cartões e compra de bilhetes digitais em plataformas como Facebook e Facebook Messenger.
Com isso, a startup pretende oferecer a melhor experiência digital para os consumidores, independente de serem bancarizados ou não.
A Bilhetagem Digital como alternativa
Se essa renovação nas relações e a entrada de novos participantes será o suficiente para diminuir ou acabar com a queda constante de passageiros do transporte público vai depender do quanto essas soluções irão gerar de receita e diminuição de custos.
Algumas iniciativas, como acrescentar cartões de débito e crédito podem pesar ainda mais na composição da tarifa, uma vez que transações desse tipo possuem taxas.
Por outro lado, uma bilhetagem que torne o mercado mais competitivo, com soluções mais baratas e eficientes aprofunda a democratização do transporte público.
O sistema de Bilhetagem Digital da OnBoard, por exemplo, irá diminuir os custos com a emissão e administração de cartões que hoje ficam ultrapassados rapidamente.
Segundo Luiz Renato M. Mattos, CEO da OnBoard, o sistema desenvolvido pela startup visa “facilitar o acesso ao transporte público por meio de uma experiência digital, concentrando e integrando todas as opções de mobilidade urbana na mão dos passageiros”.
Para o empresário vivemos em um momento onde o transporte público foi deixado de lado, portanto, busca-se “devolver o protagonismo e a competitividade ao transporte público fazendo dele o elo de conexão da mobilidade urbana atual”.
A partir de um cadastro os passageiros do transporte público passam a ter acesso a carteira virtual, o Bilhete Digital, que será disponibilizada em aplicativos nas versões Android e iOS e em chatbot nas plataformas Facebook, Facebook Messenger e WhatsApp.
O projeto consiste ainda na criação e implementação de uma plataforma e o desenvolvimento de um ecossistema de utilização de créditos virtuais através do smartphone do passageiro.
Os créditos poderão ser aceitos no transporte público e também em outros modais de transporte, que incluem, mas não se limitam a bicicletas, patinetes, táxis e corridas por aplicativos.
Esse ecossistema permite que o cliente do transporte público tenha mais autonomia sobre como utilizar o seu dinheiro além de vantagens como: descontos com a integração multimodal, programa de milhagens para transporte público, e os benefícios com a diminuição do atrito e a melhoria na experiência.
Tudo isso ainda garante receitas acessórias para empresas e mais flexibilidade e opções em suas operações, contribuindo para a melhoria estrutural dos sistemas.
É um caminho se projetando para mudar a realidade com alto potencial de agregar valor e projeção aos meios coletivos de transporte, fundamentais para uma boa qualidade de vida em cidades.
Referências
Associação Nacional das Empresas de Transporte Urbano (NTU). Bilhetagem eletrônica, versão 4.0. https://www.ntu.org.br/novo/NoticiaCompleta.aspx?idArea=10&idSegundoNivel=107&idNoticia=1058
Associação Nacional das Empresas de Transporte Urbano (NTU). Recarga do Bilhete Único paulista pode ser feito pelas redes sociais.
BATISTA, Fábio. O poder do consumidor e estratégias empresariais nos espaços digitais.
MOREIRA, Marcos Antonio. Transporte público busca reinvenção no relacionamento com usuários. https://www.agoraesimples.com.br/2019/02/18/transporte-publico-busca-reinvencao/
Esse texto foi produzido em parceria técnica com a OnBoard Mobility.