Por que a Uber está investindo em patinetes após o fracasso das concorrentes?

Análise: estratégia da americana vai de encontro com a queda da Grow e a saída da Lime do Brasil; mídia exterior pode ser o diferencial.

Em agosto de 2019 nós publicamos o artigo intitulado Patinetes compartilhados estão fadados ao fracasso? em que abordamos a insustentabilidade financeira do modelo que veio a se comprovar com a saída de empresas recém chegadas no Brasil como a Lime, um dos maiores operadores globais, e a redução das operações da Grow (Grin e Yellow) que culminou em sua aquisição por um fundo de investimento pelo valor simbólico de US$ 1 para assumir suas dívidas, revelam fontes próximas ao assunto. Um final trágico para uma empresa que teve US$ 150 milhões envolvidos em sua fusão 12 meses antes. 

Longe de querermos fazer premonições ou de parecermos profetas, nossa intenção naquela época era de orientar os operadores de transporte (nossos clientes) que queriam se aventurar nessa onda da micromobilidade como uma resposta a sua perda crescente de passageiros. Não era necessário que alguém viesse do futuro para nos contar que aquela era uma má ideia. Bastava olhar os números, os dados e as experiências de outros países como apontamos no texto.

Portanto, o objetivo desse texto não é dizer “Nós avisamos!”. O que queremos aqui é debater o que levou a Uber, gigante das corridas por aplicativos a investir em patinetes elétricos no Brasil, especificamente em São Paulo. Anunciada no dia 02 de março deste ano, a chegada dos patinetes da Uber veio em um momento controverso na história deste meio de transporte que viu seu modelo de negócio não resistir ao tempo e a ausência do capital intensivo de seus patrocinadores. Diante deste cenário a estratégia da Uber parece bastante equivocada.

O CEO da companhia, Dara Khosrowshahi, disse querer diversificar os negócios da Uber. Ele acredita que, em dez anos, apenas 50% da receita global virá de corridas em carros. O restante dependeria do Uber Eats, aluguel de bicicletas e patinetes e transporte de carga por caminhões. Mais do que um desejo do executivo essa diretriz parece estar sendo colocada em prática e surtindo efeito. De acordo com o report do segundo trimestre de 2019, o braço de corridas foi o patinho feio do trimestre tendo praticamente estagnado. O Uber Eats foi o principal responsável pelo crescimento do período. É evidente que a diversificação é uma ótima estratégia para a empresa manter seu ritmo de crescimento e se manter na primeira tela dos smartphones ao redor do mundo. No entanto, apostar em um negócio que já se provou insustentável financeiramente é a uma boa estratégia?

A Uber conta hoje com 111 milhões de consumidores mensais ativos na plataforma sendo 22 milhões só no Brasil, seu segundo maior mercado. Isso inclui as pessoas que fizeram uma viagem de carro, pediram delivery do Uber Eats, ou andaram de bicicleta ou patinete elétrico pelo menos uma vez no mês. Em 2019, para conquistar novos usuários e manter as operações funcionando, a Uber gastou 247% a mais do que em 2018, com os gastos subindo de 3,5 bilhões para 8,6 bilhões de dólares neste ano. O faturamento no trimestre, contudo, não cresceu na mesma proporção, fechando em 3,2 bilhões de dólares, apenas 14% maior que em 2018.

A empresa, que até hoje nunca deu lucro para seus acionistas, segue tendo perdas com remuneração de motoristas, cupons de desconto que precisa dar para conseguir clientes e investimentos de marketing para entrar ou se consolidar em novos mercados.

Em 2015, os passageiros da Uber estavam pagando apenas 41% do custo real de suas viagens, de acordo com uma análise do consultor da indústria de transportes Hubert Horan, com base nas demonstrações financeiras da empresa.

Na Índia, uma guerra de preços com Ola, concorrente local, reduziu os preços para 8 centavos de dólar por quilômetro. Mas há poucos sinais de que a empresa esteja dobrando a esquina na guerra de subsídios. Quando o Uber acabou com incentivos caros para os motoristas no país, os motoristas entraram em greve, prejudicando o serviço. A região sugou bilhões dos cofres da Uber, aumentando a perspectiva de que poderia ser forçada a vender para parceiros locais e abandonar alguns países, como fez recentemente na China e na Rússia.

Como podemos imaginar os altos investimentos em marketing não são uma exclusividade da Uber, são uma prática do mercado. A 99, concorrente brasileira da Uber, recentemente adquirida pela Didi Chuxing que também  comprou as operações da Uber na China, investe muito em publicidade. Em 2015 a empresa patrocinou oito times de futebol brasileiros e além da exposição da marca no uniforme dos times, apostou em ativações que criavam experiência com os torcedores e produziam conteúdo para as redes sociais. Foi assim com o Corinthians e o atacante Vagner Love, que atuou na temporada com o número 99 e fez uma brincadeira com taxistas. No Cruzeiro, torcedores que pediram corrida para o estádio foram presenteados com a presença de jogadores.

Com uma concorrência cada vez mais acirrada para um serviço de pouquíssima diferenciação, investir em marketing é a melhor forma de se manter vivo no imaginário e no celular dos clientes. Por outro lado, desde a abertura de seu capital em abril de 2019 a Uber vem sendo cobrada por resultados e uma de suas medidas foi o corte de custos para reduzir o prejuízo: a empresa demitiu 400 pessoas de seu departamento de marketing, que agora conta com “apenas” 800 funcionários.

Os patinetes de fato estão alinhados a estratégia de diversificação da Uber, podendo ser utilizados em trajetos mais curtos que são menos lucrativos para a companhia nas corridas de carro e por serem alugados a partir do aplicativo já presente nos celulares de milhões de pessoas, o que torna seu custo de aquisição bem mais baixo, o que também está alinhado com a sua estratégia de reduzir custos. Mas ainda sim é difícil entender a lógica de um investimento que comprovadamente dá prejuízo em um momento que se busca um aumento da rentabilidade. Para entender a estratégia da empresa por trás de seus patinetes precisamos falar de poluição, mas não a referente à baixa vida útil ou o fato dos patinetes poluírem mais do que ônibus e sim a poluição visual.

A cidade de São Paulo aprovou em 2006 a Lei nº 14.223-06, também conhecida como Cidade Limpa que impôs grandes restrições à comunicação visual no seu espaço urbano. Ela ganhou ainda mais importância por ser referência para dezenas de outras cidades brasileiras que estudam essa possibilidade ou que estão em vias de decretar sua própria regulação. Sua origem está na premissa de que a quantidade de propaganda na rua ultrapassa um “ponto ótimo”, e a solução seria sua quase proibição. Essa medida foi aprovada por cerca de 63% da população, satisfeita com um ambiente mais agradável e com espaço para a arquitetura da cidade transparecer. Muitos também argumentam que a poluição visual pode ser prejudicial à saúde e, portanto, que ela deva ser banida.

Uma das consequências práticas da lei é que as mídias acabaram simplesmente sendo redirecionadas para outros lugares, mostrando que a política está longe de não apresentar externalidades negativas. As propagandas perderam o valor potencial da localização anterior, onde se acreditava ter maior impacto. 

Porém, os pontos para onde elas foram redirecionadas agora também sofrem do problema da poluição visual. Assim, poderíamos aplicar a mesma lógica da poluição visual nas cidades para a poluição visual em outros ambientes: banners em sites, flyers, spam, logos de fornecedores em interiores de restaurantes, arquibancadas de estádios, paredes sobre mictórios e acredito que você já seguiu a faixa da Uber do desembarque de um voo até a saída do aeroporto ou foi impactado por um banner no ponto de ônibus.

Da mesma forma que os outdoors e banners nas cidades, a mídia OOH (Out of Home) tornou os espaços de circulação menos agradáveis, em contrapartida se tornou um elemento importante no balanço dos donos desses espaços e fundamental em qualquer planejamento de mídia sério. O modelo de negócio da publicidade moldou nossa sociedade atual. Empresas como Google e Facebook construíram conglomerados empresariais com a publicidade financiando produtos e serviços gratuitos.

Outro exemplo de tal prática está presente nos domingos e feriados dos paulistanos. Criada em 2009 a ciclofaixa de lazer que começou no Parque Ibirapuera e foi sendo expandida chegando a 117 km de extensão, divididos em nove trechos é financiada por uma empresa. No entanto, a operação está suspensa desde agosto de 2019, quando a Bradesco Seguros, antigo patrocinador, encerrou a parceria com a Prefeitura. Desde então a gestão municipal busca um novo financiador. Essa busca chegou ao fim em março, diante da manifestação de interesse de um único patrocinador, a Uber. No entanto, o procedimento de concessão de valor estimado de R$ 20 milhões segue suspenso pelo TCM – Tribunal de Contas do Município.

O interesse da Uber em patrocinar a ciclofaixa nos diz muito sobre a estratégia de comunicação de uma empresa que conhece muito bem a jornada do seu cliente, afinal ela usa dados para isso, e está sendo mais uma vez inteligente na execução de seus anúncios contornando as limitações impostas pela legislação. 

Se analisarmos outro case na micromobilidade isso fica ainda mais claro. Até agora o modelo que se mostrou mais sustentável é o de bicicletas compartilhadas com estação baseados em um patrocinador, sendo o mais conhecido deles o Itaú. Ao contrário do que muitos imaginam as bicicletas não são do banco que contam apenas com seu patrocínio para que as laranjinhas desfilem exibindo sua marca por aí. O modelo de sucesso é idealizado e operado pela Tembici, que além do Itaú, possui projetos com outras marcas e até prefeituras em 12 cidades e três países.


Portanto, o que vemos aqui vai muito além da estratégia de uma plataforma multimodal, os patinetes espalhados na cidade funcionam como anúncios interativos que são desfilados por aí assim como ostentamos marcas estampadas em nossos vestuários. Em uma cidade como São Paulo, que possui uma legislação muito rígida no combate a poluição visual, ter uma série de anúncios que estão à margem de regras e limitações e que ainda podem ser reposicionados de acordo com sua performance é uma excelente estratégia de publicidade.

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Luiz Renato M. Mattos.

CEO e Cofundador da ONBOARD. Bacharel em Administração de Empresas pela Universidade Federal de São Carlos - Sorocaba (UFSCar). Trabalha na área de mobilidade urbana há 5 anos, desenvolvendo produtos para digitalizar e integrar serviços de transporte urbano de passageiros, além de ser editor-chefe do portal de notícias Agora é simples.

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