Pesquisa de Campo no Transporte Público: você precisa saber disso

Em 2020 sua empresa precisa conhecer e saber como aplicar os métodos a seguir para continuar viva

Foto: WRI Brasil

Caro colega, peço mil desculpas se na introdução do artigo anterior fui rude, afinal dinossauros exerceram papéis primordiais na era mesozoica, porém, todavia Darwin nos ensinou que a evolução se conquista com a adaptação, e só os mais adaptados sobrevivem (âo,am), no mercado de trabalho não é diferente.

Pazes feitas? Acredito que esteja curioso para saber se o orador que aqui vos fala está com toda essa bola, não é? Bom então vamos ao que interessa.

Mão na massa: por que pesquisa?

Um professor me disse em certo momento que o marketing era a alma do negócio e a pesquisa era a espinha dorsal, na época muito imaturo não dei a devida atenção, pois jovens enxergam subjetivamente e demoram a desenvolver um instinto visionário. Passados os anos me deparei com o seguinte questionamento de um amigo indagando a seguinte frase: “Qual é o principal destino que os passageiros buscam na linha de ônibus x?”, ao que respondi: “Cara, tá aí uma incógnita, não sei te responder”.

Me senti envergonhado com tal situação, uma vez que essa pergunta tão simples demonstrou o meu despreparo no ramo de negócio em que atuo. Todavia, essa indagação foi crucial para o meu desempenho no passar dos anos, me ajudou a tornar a curiosidade minha ferramenta e a pesquisa minha diretriz.

Você sabia que em algum momento um estatístico previu que você compraria esse smartphone que está na sua mão agora? Previu o tipo, estilo e a cor de sua preferência e não se assuste não é magica e o cara não era Nostradamus, simplesmente ele utilizou a pesquisa de mercado aonde coletamos informações de uma pequena fatia percentual dos usuários de certo serviço ou produto e analisamos para entender as dinâmicas do mercado. 

Sua empresa não faz pesquisa? Então ela não conhece o cliente que tem e se equipara a uma alma perdida no purgatório pagando penitência, sorte sua ter o privilégio de mudar isso.

Feito assim minha forma meio maluca de teorizar “pesquisa”, vamos falar das principais pesquisas de campo no transporte público.

Origem e Destino

Pesquisa voltada normalmente para linhas de longas quilometragem, com alto índice de sobe e desce ou FR (fator de renovação), assunto que abordaremos adiante.

Este tipo de pesquisa visa conhecer e entender quais são os polos de demanda mais importantes no trecho e se existe integração com outras linhas.

É pouco utilizada, devido à complexidade em ser feita e os recursos necessários para sua realização: mão de obra e usuários dispostos a responder os questionários, além das distorções em caso de má aplicação da pesquisa. Segue abaixo modelo:

Ocupação Visual

É um tipo de pesquisa que monitora visualmente o veículo em um trecho da linha com legendas que determinam o tipo de lotação, é uma pesquisa subjetiva que se não for alinhada previamente com a equipe de aplicação pode gerar muitas distorções e equívocos.

Há os que relutam em dizer que não funciona em razão de, em boa parte, os usuários ficarem sempre próximos as portas de saída. Outros dizem que a tendência é os usuários ficarem no fundo ou no lado direito do veículo quando em pé.

Particularmente nunca tive problema com esse tipo de pesquisa, principalmente por me dar uma visão rápida da capacidade ofertada na linha e tem ainda o fato de conseguir comparar a oferta do meu concorrente com a minha. Segue abaixo modelo:

Controle de Frequência e Embarque nos Terminais 

Diria que essa é uma multipesquisa: te dá uma visão geral do panorama de atendimento em grandes terminais. Com ela você consegue fazer medição de frequência, tempo de embarque, quantidade de embarque de usuários, atendimento de filas, controle de comboios e várias outras informações que são plausíveis analisar sempre que possível.

Uma pesquisa simples, que o próprio fiscal pode fazer ou um inspetor de ponto. Segue abaixo modelo: 

Quilometragem

É uma pesquisa que caiu em desuso devido vários sistemas integrados à tecnologia embarcada do veículo trazer as informações de extensão da linha, além do que vários programas e sites conseguem fazer essa medição do percurso.

Resumidamente, marca-se o valor informado no hodômetro nos pontos iniciais e finais de ida e volta, no fim da pesquisa mede-se a diferença dos valores dos pontos. Retira-se uma média simples dos valores na obtenção de um resultado para cálculos e projeções mensais, um método eficaz que foi suprimido pela tecnologia. Segue abaixo modelo: 

Tempo de Ciclo

Outra pesquisa que caiu em desuso, porém é bom dar uma pincelada, basicamente controla o tempo de ida e volta nos principais pontos da linha aonde o pesquisador vai fazendo as anotações, no fim tira-se uma média simples de ida e volta e soma-se os dois para obtenção do tempo de ciclo da linha.

Pesquisa simples de fazer, porém se você tiver GPS e um SIG (Sistema de Informação Geográfico) de qualidade pula essa parte, não tem sentido nenhum para você.

Sobe e Desce

Chegamos ao gran finale, de todas as pesquisas citadas acima acredito que se você entender a de sobe e desce terei um dia extremamente feliz, pois muitos batem cabeça com os resultados dela.

A forma de fazer é a seguinte: com a pesquisa descrita abaixo em mãos dos pesquisadores, será alocado uma pessoa na porta de embarque e uma outra pessoa na porta de desembarque do veículo marcando a quantidade de pessoas que sobem e que descem em cada ponto e logradouro. Essa contagem pode ser feita de duas formas, com senhas entregues aos usuários para ser contabilizadas nos trechos de embarque ou desembarque ou com contadores de pessoas. 

Esse tipo de pesquisa é extremamente importante, se você trabalha com transporte de pessoas e nunca fez esse tipo de pesquisa em suas linhas sinto dizer a você, está na hora né, amigo?

A pesquisa de sobe e desce te dá três informações extremamente importantes: o Fator de Renovação que abordarei abaixo; a quantidade total de passageiros que ficam de fato dentro do veículo durante o percurso de viagem, demonstrando a eficiência da capacidade ofertada; e qual é o principal polo de demanda da linha ou o ponto que existe maior renovação de usuários. Segue abaixo o modelo de pesquisa:

Fator de Renovação

Peguei essa teoria na internet e foi a melhor e mais simples que achei, leia e fixe em sua mente: “Fator de renovação é o quociente entre o total de passageiros transportados na viagem e a ocupação máxima durante esta viagem, é obtido através de pesquisa sobe/desce de passageiros. Sua finalidade é demonstrar o percentual de renovação de passageiros, sendo este número sempre maior ou igual a 1, quanto mais próximo de 1 menor a renovação, ou seja, quanto mais próximo de 1 maior o indicativo de que o destino do passageiro é o terminal final e o valor transportado é igual ao de ocupação, se o valor for acima de 1, maior o indicativo de existência de outros polos de demanda e consecutivamente maior a rotatividade dentro do veículo”. Segue fórmula abaixo:

Legal temos a teoria, agora vamos entender na prática. 

Na pesquisa de sobe desce anterior temos a linha M12TRO que transporta diariamente 20 mil passageiros em média, na faixa horária de pico com maior carregamento transporta 2 mil passageiros por hora, o planejador da Empresa XYZ resolveu fazer uma pesquisa de sobe e desce em uma viagem no sentido ida do veículo de prefixo 912 com capacidade de oferta de 88 lugares. Com vistas no resultado da pesquisa qual o fator de renovação da linha? A capacidade ofertada e condizente com a demanda na seção crítica?

Vamos ao resultado baseado na fórmula: 118 / 73 = 1,61 

Concluímos que a linha tem um alto índice de renovação, pois o fator de renovação é maior que 1 e apenas 61,87% da soma total de passageiros permanecem de fato dentro do veículo.

Sobre a capacidade que é de 88 lugares, visto que na seção crítica a máxima é de 73 pessoas, então a linha está transportando dentro da oferta prevista sem causar desconforto aos usuários com ociosidade de 17,04%.

Entenda a lógica do fator de renovação e tudo ficará mais fácil em seus dimensionamentos.

Espero de fato ter demonstrado de forma simples os principais tipos de pesquisas e facilitado o entendimento da importância de pesquisar, entender e monitorar o seu cliente e a dinâmica do mercado em que está inserido.

Nota: A uns nove anos atrás um CEO (DEX se preferir) me disse que o mundo seria dos engenheiros, discordei… e continuo discordando, o mundo é pura tecnologia, então amigos do TI nos ajudem, precisamos de sistemas mais completos voltados para o transporte de pessoas, e uma aplicação direcionada a pesquisa é primordial para nossas análises. Bom, continuo com Excel e podem ficar com a raiva e saibam que é de vocês a culpa, ao longo de nossos bate papos puxarei suas orelhas mais vezes.

Sobre o conteúdo… como diria o romano Horácio em latim “Carpe Diem”. Nos vemos no próximo capítulo.

Esse texto faz parte de uma série especial de Rafael Pereira. Leia o texto de estréia:

[crowdsignal rating=8915070]

Rafael Pereira

Rafael Pereira é formado em Logística pela FATEC e pós graduando em Projetos pela FGV. De São Paulo, atua há 8 anos no setor logístico e de transporte. É colunista do Agora é Simples.

Deixe uma resposta

você está offline!

%d blogueiros gostam disto: